CORPO E EROTISMO NA ARTE
Censura, proibição e tabu
Curso de História de Arte Contemporânea Internacional e em Portugal
A renovada atenção da historiografia às relações entre arte e a(s) sexualidade(s) tem originado uma constante releitura nas últimas décadas e releva o papel que este tipo de problemáticas ocupam na articulação com as múltiplas dimensões do “político”, permitindo aflorar tópicos tão sensíveis como o questionamento dos padrões da “decência” e da obscenidade, e trazendo para o centro do debate os controversos temas da censura, da proibição e do tabu.
Confirmando o vaticínio de DUCHAMP – “o erotismo […] poderia ser […] um outro ‘ismo‘” (1966) –, para uma geração em que a “arte é cada vez mais politizada”, a partir da década de 1960 o erotismo tirará partido de uma “sexualização não conformista” (Mahon 2005). Segundo Amelia Jones, especialista em Body Art, só a partir dos anos 60 é que foi abalada a “ocultação do corpo”: o corpo teria sido velado, e vedado, pelo “modernismo” (Jones, 2000, p. 20). Sob o jugo de uma determinada tradição filosófico-religiosa, o corpo sofreu durante milénios todo o tipo de estigmas e exclusões (Prost, 1986, p. 96; Agamben, 1991, pp. 40-41; Almeida, 2002, pp. 137-143), mas quando por fim logrou recuperar o lugar que merecia, fê-lo de um modo tão cruel que o seu protagonismo se converteu numa autêntica “ditadura” (Sánchez, 2003, p. 9). Para José Gil, “pretende-se fazer falar o corpo (…). Como se o objectivo fosse, neste momento, descobrir o corpo ao qual se subordinaria qualquer terapia ou outra forma de linguagem: artística, literária, teatral ou simplesmente comunitária” (Gil, 1997, p. 14). O filósofo português dá-nos o testemunho de um tempo em que a propósito de tudo ou de nada se fala de um “discurso do corpo”, pretendendo-se assim que ele se liberte ou se exprima.
O presente curso pretende pensar como o desvelamento do corpo, nas suas múltiplas dimensões, se articulam na arte contemporânea portuguesa e internacional. Centrando-se no conflito entre censura e transgressão, serão apresentados trabalhos que, a partir dos anos 1960 até à actualidade, exploram os modos como uma nova explicitação da sexualidade pode ter implicações políticas, servindo desígnios diversos, tais como a libertação do desejo, a crítica social, a resistência contra-cultural ou a defesa de direitos civis no que respeita à igualdade de género e à emancipação das diferentes identidades sexuais. Será abordado não apenas o papel que um conjunto de artistas portugueses de diferentes tempos e gerações deteve neste âmbito, mas ainda a recepção que lhes foi prestada ao nível crítico, institucional e cultural em sentido amplo. Esta pesquisa será feita também de modo relacional com o contexto internacional, a fim de questionar as grandes narrativas que têm estruturado, a partir dos principais epicentros culturais e geopolíticos, processos globais de difusão de ideologias e atitudes estéticas contracorrentes.
Começando por um artista recusado pela Academia devido a um Nu que causou escândalo, na primeira parte do programa pretendemos mapear alguns dos mais importantes debates em torno do nexo arte e sexualidade(s) nos últimos 150 anos da Arte Ocidental. A segunda parte é dedicada ao contexto nacional, a partir dos anos 1960. Através de uma colecção de estudos de caso, procuramos assim reunir várias perspectivas, gerações e contextos com o intuito de propiciar uma visão de conjunto sobre os principais vectores de mudança na forma como, na arte, vemos e pensamos a sexualidade, quer na constituição e evolução dos saberes sobre o sexo, quer na contínua redefinição dos limites do permissível, do “decente” e da liberdade de expressão. Integrando metodologias ativas, que incluem a discussão de casos (da arte enquanto forma de “educar” públicos acerca da sexualidade, artistas cuja obra tem cariz pedagógico, peças que podem ser usadas em contexto educacional), iremos explorar a tensão entre ver e ser visto, desejo e tabu, censura e transgressão no contexto da criação artística moderna e contemporânea.
Programa:
PARTE I – PARADIGMAS E CONTEXTOS
Definições de erotismo; Representar o desejo sexual; A tradição Erótica; Taboo e transgressão.
As dinâmicas do desejo; Orientalismo; Novas Masculinidades; Beleza Feminina; O fim da Era da Inocência; Pintar a Vida Moderna; Banhistas femininos e masculinos.
Gauguin; Les Demoiselles d’Avignon; Expressionismo Alemão; Sigmung Freud, Viena e Egon Schiele.
Dadaísmo; Erotismo de Weimar; Fantasias Masculinas
Sade e Sadismo; Negrofilia na fotografia Surrealista; Mulheres Surrealistas.
Surrealismo no exílio; Expressionismo Abstracto, Action Painting e o contexto da Guerra Fria;
Pop Art; Andy Warhol; Performance do corpo erótico; A desmontagem do voyeurismo sexual cinematográfico.
Políticas sexuais; Feminismos; Queer; Políticas raciais; identidade étnica.
Sexualidade fora-da-lei; A crise da SIDA; Modernismo Pós-pornográfico.
Problemas de género; As “Bad Girls” da Arte contemporânea britânica; Sofrimento abjecto e desejo.
PARTE II – ARTISTAS PORTUGUESES
JÚLIO POMAR (1926 –2018). A apoteótica jubilação do acto sexual através da representações explícitas do sexo durante um enquadramento político que recorria à censura e ao ‘exame prévio’ como regulador dos bons costumes morais e sociais.
ERNESTO DE SOUSA (1931 – 1988). A Festa como aspiração a uma reinscrição da arte no espaço-tempo, o diálogo entre o artista e o espectador e a homologia entre “revolução” e erotismo
JULIÃO SARMENTO (1948 –). ‘Para mim, licenciosidade é um exercício intelectual e político’.
CARLOS VIDAL (1964 –). As mulheres nuas com grafitos políticos: a afirmação no discurso sobre a imagem pura do desejo masculino, uma imagem ideal de beleza feminina para gáudio do espectador masculino heterossexual.
2.1. PAULA REGO (1935 –). As perspectivas oníricas do feminino, a face grotesca e perturbadora da sexualidade e os temas políticos ligados ao aborto. O jogo plástico, lúdico e denunciante de questões ocultas da sexualidade.
2.2. CLARA MENERES (1943 – 2018). A articulação simbólica entre o corpo da mulher, os mitos fundadores e o culto da fecundidade; As leituras entre o hedonismo e a crítica à sociedade patriarcal. A alusão directa à prostituição e a explicitação de vulvas e Phallus: imagens sexualmente explícitas e panfletárias enquadradas nos movimentos proto feministas da Arte Pop norte-americana coeva.
2.3. MARIA JOSÉ AGUIAR (1948 –). Formas fálicas em confronto com formas vaginais, tomado como um grito de liberdade e um apelo à igualdade de direitos, numa sociedade que vive, à época, as tensões do período pós-revolução. 2.4. ACÁCIA THIELE (1972 –). A ironia para com o sexualmente explícito enquanto crítica a um conservadorismo sexista enraizado com constantes citações à história da arte: desconstrução dos padrões sociais ao papel subordinado da mulher nas estruturas patriarcais.
3.1. LOURDES CASTRO (1930 –). A marca dos corpos em lençóis como vestígio vivencial do amor.
3.2. HELENA ALMEIDA (1934 –). Ouve-me…, a performatividade do corpo feminino e a ideia de potencialidade que define o erótico.
3.3. ALBERTO CARNEIRO (1937 –). Uma “política do sensível” enquanto abertura para se pensar com o corpo todo.
3.4. JOÃO VIEIRA (1934 – 2009). A obra de arte como uma replicação de seios que podemos tocar.
3.5. RUTE ROSAS (1972 –). Viagens sobre a nudez do seu corpo próprio: a reivindicação de uma sensibilidade outra da mulher.
3.6. MIGUEL BONNEVILLE (1985-). Como a plasticidade do género possibilita a constituição de multitudes de corpos que questionam os limites discursivos do sexo e da sexualidade.
4.1. JULIA VENTURA (1952 –). A crítica aos cânones tradicionais de representação da mulher ligados à passividade e a um voyeurismo sexual pregnante.
4.2. ANA PÉREZ-QUIROGA (1960 –).Activismo político contra a marginalização do Lesbianismo.
4.3. VASCO ARAÚJO (1975 –). Códigos de sedução, exercícios de alteridade sexual e espectacularizações neo-barrocas do sujeito queer.
4.4. MIGUEL BONNEVILLE. Quando, na fronteira do explícito, um criador queer entra em confronto directo e a sós com o espectador – os lugares do género e da sexualidade dos corpos que não se identificam com a norma.
SÁ NOGUEIRA (1921 – 2002). As conotações eróticas do género Shunga e os recortes de revistas de conteúdos pornográficos.
5.2. JULIÃO SARMENTO (1948 –). A edição “censurada” de filmes para adultos, a série pictórica das porn stars e a perspectiva das actrizes porno na primeira pessoa.
5.3. AUGUSTO ALVES DA SILVA (1963 –). A série Book (2009): a abordagem não hipócrita da masturbação feminina e a diluição de fronteiras entre o pornográfico e o erótico.
5.4. PAULO MENDES (1966 –). A apropriação cínica do pornográfico: as orgias generalizadas com brinquedos.
5.5. JOÃO PEDRO VALE (1976 –) e NUNO ALEXANDRE FERREIRA (1973 –). O auto-exibicionismo despudorado, pornografia gay e a iconografia sado-maso. Representações de práticas sexuais interditas previamente marginalizadas e de carácter panfletário anti-homofóbico em defesa da identidade queer. A exibição de um filme pornográfico gay numa sala de cinema e a resultante censura institucional de cariz homofóbica.
5.6. ISABEL CARVALHO (1985-). Num contexto explícito e carregado de interrogações críticas, a confortável assunção pelo feminino do consumo da pornografia disponível no mercado, a partir da internet.
6.1. EDUARDO BATARDA (1943 –). As intermitências do corpo filtradas por um carácter vincado de sátira social. 6.2. JOÃO PEDRO VALE e NUNO ALEXANDRE FERREIRA. A exploração da exibição e uso de vocábulos, códigos e práticas marginalizadas sobre o sexo e sua vivência undergroud e quotidiana.
6.3. GABRIEL ABRANTES (1984-). O agudo sarcasmo e ironia sobre os códigos da cultura de entretenimento, dissecando estereótipos de objectificação sexual tanto feminina como masculina em alusões à homofobia ou à repressão católica do desejo.
7.1. JOÃO CUTILEIRO (1937 –). Nu vintage (1958-1970): a abordagem fotográfica pop do quotidiano intimista, os gestos de amizade e de amor, os corpos enquanto registo de experiências físicas e cumplicidades pessoais.
7.2. ANA VIDIGAL (1960-). A crítica de costumes com muita ironia e lucidez sobre a condição feminina na família e na sociedade; as private jokes, contra a misoginia, das quais nos sentimos excluídos.
7.3. ALICE GEIRINHAS (1964-). A crueza biográfica e confessional. A miséria humana ligada à pornografia e à exploração sexual: a denúncia das histórias privadas de mulheres.
7.4. MARIA LUSITANO (1971-). As revelações sobre o desejo feminino, o subconsciente e o onírico.
BIBLIOGRAGIA RECOMENDADA
Bruno Marques (n. 1975) é investigador contratado no Instituto de História da Arte da FCSH/NOVA, onde coordena o cluster Photography and Film Studies, através do qual tem organizado inúmeros ciclos de cinema e debates sobre género, intimidade e identidade. Professor Auxiliar Convidado na FSCH (2016-2018), no ISCE (2010-2015) e na ESAD.CR (2014). Autor do livro Mulheres do Século XVIII. Os Retratos. Coordenou os livros Sobre Julião Sarmento e Arte & Erotismo. Entre outros projectos editoriais, co-editor do número especial SEX AND CENSORSHIP IN ART da Revista de História da Arte. Autor de vários capítulos de livros e artigos científicos em revistas académicas nacionais (Revista de História de Arte, Aniki, Cultura, Convocarte) e internacionais (Photographies, Philosophy of Photography, RIHA Journal, Quintana, MODOS e Estudos Ibero-Americanos). A sua investigação explora tópicos como os do voyeurismo, vida privada e intimidade; pornografia e erotismo; liberdade de expressão e censura.
Datas: 4 de Março a 24 de Junho
Horário: quintas das 10h30 às 12h
Propina: 200
Propina para alunos da MArt: 100,00
Propina para artistas residentes na MArt: 67,00
INSCRIÇÕES E PROPINAS
Para se inscrever por favor preencha a ficha de inscrição e proceda ao pagamento da propina por transferência bancária.
1. Ficha de inscrição: https://forms.gle/kAwetbYwZnctAyno7
2. Pagamento da propina por transferência bancária: IBAN – PT50003300004544981016905
Por favor envie o comprovativo para o email contabilidade.artemart@gmail.com com a referência do nome do aluno.
O site encontra-se em processo de transição com o objetivo de informatizar o processo de inscrição e a criação de uma página pessoal onde cada participante pode assistir às aulas e gerir o seu currículo. Por este motivo, ainda não é possível realizar a inscrição através do site, sendo esta processada manualmente.
Completo este procedimento, ser-lhe-á enviado um email a comprovar a sua inscrição, bem como, os links para assistir às aulas.
Agradecemos a sua colaboração.
A equipa MArt
CORPO E EROTISMO NA ARTE
Censura, proibição e tabu
Curso de História de Arte Contemporânea Internacional e em Portugal
Professor: Bruno Marques
Datas: 4 de Março a 24 de Junho
Horário: quintas das 10h30 às 12h
Propina: 200
Propina para alunos da MArt: 100,00
Propina para artistas residentes na MArt: 67,00